Por trás do Made in Germany

 Não é à toa que a expressão “Made in Germany” se tornou sinônimo de qualidade no mundo inteiro. O Bloomberg Innovation Index aponta a Alemanha como um dos países mais inovadores do mundo.  O termo Indústria 4.0, criado e popularizado pela Alemanha, se tornou a referência para a 4ª Revolução Industrial. Cada vez mais presente nos nossos cotidianos, o tema serviu de inspiração até mesmo para o desfile de Carnaval da escola Sociedade Rosas de Ouro, de São Paulo, nesse ano.

Como responsável pela área de Inovação e Tecnologia da Câmara Brasil-Alemanha, tive a oportunidade de viajar diversas vezes para a Alemanha e ver de perto sua atuação neste setor. Com base no que vivenciei nos últimos anos, posso garantir que a excelente reputação por trás do Made in Germany conta com inúmeros fatores que a suportam. Porém, como em qualquer outro país, sempre existem pontos a melhorar.

Mesmo sendo vista como um dos países mais inovadores do mundo, grande parte dos investimentos e resultados da Alemanha advém de um único setor, o automotivo, que está cada vez mais pressionado pela queda nas vendas. Outro ponto de divergência: apesar de seu pioneirismo na Indústria 4.0, capacidade de inovação, estabilidade e infraestrutura macroeconômica, o país ainda sofre com problemas de conexão móvel. Segundo um levantamento do Fórum Econômico Global, as redes móveis de internet são a “maior fraqueza” do país. Além disso, a Alemanha ainda enfrenta um déficit de mão de obra qualificada em diversas áreas, desde cuidadores de idosos a profissionais de TI.

Minha proposta, contudo, não é focar nos pontos negativos e sim apresentá-los para mostrar que, não importa quão avançado o país seja, nem tudo são rosas e sempre há o que melhorar.

Apesar dos desafios a serem vencidos, dados do ecossistema alemão de inovação mostram as principais características que transformaram a Alemanha no segundo maior exportador de produtos de alta tecnologia do mundo.

– Governança: Apesar do tema inovação ser liderado pelo BMWi (Ministério Alemão de Economia e Energia), os setores privado e científico, bem como a própria sociedade civil alemã, buscam sempre atuar em conjunto para definição de políticas, leis, normas e padrões. O próprio movimento da Indústria 4.0 na Alemanha é liderado por uma plataforma (Plattform Industrie 4.0) que concentra representantes de todas estas frentes. A Plattform Industrie 4.0, inclusive, foi usada como referência para criação da Câmara Brasileira da Indústria 4.0, inciativa interministerial lançada com o objetivo de integrar as políticas públicas de fomento à indústria 4.0, manufatura avançada e IoT;

– Estratégia: Para apoiar seus anseios como país, a Alemanha lança de tempos em tempos sua Estratégia de Alta Tecnologia. Segundo o próprio documento, a estratégia visa tornar o país líder mundial em inovação e tem como objetivo traduzir rapidamente boas ideias em produtos e serviços inovadores. Os pilares da versão atual são:

  • Desafios sociais: Saúde e cuidados; Sustentabilidade, Energia e Clima; Mobilidade; Cidade e Interior; Segurança; Economia e Trabalho 4.0
  • Cultura de inovação aberta e riscos: Levar o conhecimento para a ação; Fortalecer o espírito empreendedor; Utilizar redes de conhecimento e inovação
  • Competências alemãs para o futuro: Base tecnológica; Mão de obra qualificada; Participação da sociedade;

    – Investimento: O investimento em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I) na Alemanha é prioritariamente privado (cerca de 60%), enquanto o Governo investe cerca de 25% do total. Em relação ao PIB, a Alemanha investe 2,9%, mas uma das metas da Estratégia de Alta Tecnologia atual é subir este valor para 3,5% até 2025. Porém, um fato muito importante aqui, é que o investimento é quase que dedicado em sua totalidade para Pequenas e Médias Empresas (PMEs). Vejamos alguns exemplos de iniciativas oferecidas pelo Governo alemão:

    • Exist: Visa fortalecer a cultura de empreendedorismo nas universidades e instituições de pesquisa.
    • Hight-Tech Gründerfonds: Financia startups com tecnologias inovadoras e é, atualmente, o maior fundo de venture capital da Alemanha, ultrapassando até mesmo a Rocket Internet, umas das principais empresas de investimentos em comércio eletrônico.
    • Invest – Grants for venture capital: Facilita o acesso de novas empresas a instituições de capital de risco e mobilização de investidores anjos.
    • Digital Hub Initiative: Apoia por meio de 12 centros o desenvolvimento de negócios relacionados a Digitalização a partir da conexão entre empresas, institutos de pesquisa e startups.

      – Patentes: A Alemanha é o 5º país com mais patentes depositadas no mundo, liderando esse ranking entre países europeus. No Brasil, a Alemanha é o 3º país com mais patentes depositadas. Fora isso, possui o Departamento Alemão de Patentes e Marcas (DPMA), maior departamento de patentes da Europa e o quinto maior do mundo. O tempo médio para o resultado da análise da patente é de 2 anos e meio.

      – Educação: A Alemanha é globalmente reconhecida por sua formação de qualidade, principalmente em relação a formações técnicas que são representadas pela Formação Dual. A Formação Dual é uma combinação de teoria e prática, em que os alunos passam alguns dias na escola e outros na empresa. O sistema é regulado pelos Governos federal e estadual, sindicatos e empresas, que são responsáveis pelo desenvolvimento de novos cursos e atualização dos cursos existentes. Segundo pesquisas de satisfação realizadas com próprias empresas participantes, o método é a melhor maneira de contratar profissionais altamente qualificados. A educação básica do país também tem como um de seus pontos fortes a metodologia STEAM (ciência, tecnologia, engenharia, artes e matemática).

      – PMEs: As PMEs, que representam cerca de 99% das empresas alemãs, são o motor da economia e da inovação na Alemanha. Vale ressaltar, porém, que a escala usada é diferente da brasileira. Uma empresa brasileira de médio porte seria considerada de pequeno porte na Alemanha, por exemplo. É importante apresentarmos também o fenômeno chamado “Hidden Champions”. Este movimento é formado por empresas de médio porte, em sua maioria familiares, líderes globais em suas áreas de atuação. São cerca de 450 empresas com produtos e serviços inovadores, que possuem uma gestão orientada a longo prazo (ex.: CEOs atuando por cerca de 20 anos em seus cargos) e altos investimentos em PD&I (cerca de 5%)

      – Institutos de Ciência, Tecnologia e Inovação (ICTIs): Os Institutos de Ciência e Tecnologia alemães possuem excelência global e ótima relação com empresas. Estes dois pontos são talvez os mais importantes para o sucesso da expressão Made in Germany, uma vez que a inovação depende na grande maioria das vezes do setor científico. Como exemplo do sucesso da rede de ICTIs da Alemanha, podemos citar a utilização do modelo e da expertise do Instituto Fraunhofer para os Institutos Senai de Inovação e EMBRAPII. Atualmente, o Fraunhofer, principal case da Alemanha relacionado à pesquisa aplicada, teve um faturamento em 2018 de 2,6 bilhões de euros. Ainda falando de pesquisa aplicada, podemos citar a Associação Helmoltz e a Associação Leibniz como grandes destaques da área. Quanto à pesquisa básica, temos o Max Planck, que possui mais de 18 especialistas laureados no Nobel. Vale destacar ainda que, nos últimos anos, a Alemanha vem criando uma série de centros de competência em conjunto de ICTIs voltados a temas presentes na Estratégia de Alta Tecnologia e ligados à Indústria 4.0.

É claro que é impossível aplicarmos o Made in Germany no Brasil: nós não somos a Alemanha, nem temos as mesmas forças, fraquezas ou mesmo proporções. Mas esses exemplos nos possibilitam aprender com sua história e refletir sobre o que podemos trazer para a nossa realidade. Afinal, como vimos, muitas ações alemãs já têm sido usadas como referência para o desenvolvimento do ecossistema de inovação brasileiro.

Vamos trilhar este caminho juntos?

Bruno Vath Zarpellon, Diretor de Inovação e Tecnologia da Câmara Brasil-Alemanha.