O entrave da cultura “rodoviarista” na logística brasileira

Julian Thomas é diretor-superintendente da Aliança Navegação e Logística e da Hamburg Süd no Brasil
Julian Thomas é diretor-superintendente da Aliança Navegação e Logística e da Hamburg Süd no Brasil

Em um país como o Brasil, com mais de 7.400 km de litoral e 80% da população vivendo a 200 km da costa, é natural que o modal marítimo tenha um papel preeminente na cadeia de logística. Embora seja algo tão claro, a cultura “rodoviarista” é ainda um entrave para que a participação da cabotagem seja ainda maior.

O rodoviarismo enquanto política de Estado teve origem com o ex-presidente Washington Luis. Em 1920, quando ainda era governador de São Paulo, ele afirmou que “Governar é povoar; mas, não se povoa sem se abrir estradas, e de todas as espécies; governar é, pois, fazer estradas”! Ao assumir a presidência, inaugurou, em 1928, a Rodovia Rio-Petrópolis – a primeira rodovia asfaltada do Brasil – e a Rodovia Rio-São Paulo. Criou também a Polícia Rodoviária Federal e um mecanismo para promover o rodoviarismo no Brasil: o Fundo Especial para Construção e Conservação de Estradas de Rodagens Federais.

Mas foi durante a Presidência de Juscelino Kubitschek, ao final da década de 1950, que o rodoviarismo foi implementado de maneira contundente, com a transferência da capital para Brasília. Logo após a inauguração da capital, foram construídas as rodovias Belém-Brasília, Brasília-Rio Branco e Cuiabá-Porto Velho, no intuito de estabelecer relações comerciais e proporcionar o povoamento em áreas mais afastadas do Centro-Oeste e da região Norte.

Além disso, o ex-presidente Juscelino Kubitschek acreditava que a malha rodoviária poderia atrair empresas internacionais do ramo automobilístico. A industrialização realizada neste período foi extremamente positiva para o País e trouxe uma série de avanços. Porém, privilegiou o modal rodoviário em detrimento dos demais, com investimentos aquém do necessário em infraestrutura dos portos e ferrovias.

Embora o modal rodoviário represente 67% do transporte de cargas no Brasil, se percebe nos últimos anos uma retomada na utilização das ferrovias e um crescimento significativo da cabotagem, que é a navegação entre portos marítimos de um mesmo país. Os segmentos que mais impulsionaram a cabotagem foram o de duas rodas, os eletroeletrônicos que vieram com força total, além de alimentos, bens de consumo e material de construção. Nesse período, também foram lançados alguns projetos-piloto para conteinerização de commodities, que demonstraram a viabilidade da logística intermodal na cadeia de grãos, com redução de custos e possibilidade de armazenagem em trânsito semanal.

Além da redução de custos em relação ao transporte rodoviário – de 10% a 15% -, a cabotagem configura-se em um autêntico transporte porta a porta, que une rapidez e economia por meio de um planejamento de operações multimodais, utilizando o melhor de cada um dos modais – marítimo, rodoviário e ferroviário – resultando em um meio de transporte sustentável, com baixa emissão de CO2.

Para quem utiliza o transporte marítimo, outras vantagens são a rastreabilidade em qualquer ponto, a integração dos modais para otimização da cadeia logística, a redução do número de caminhões na estrada, menor índice de avarias e a facilidade de contar com empresas que cuidam de todas as etapas do processo – da retirada da carga, transporte até o porto com segurança, embarque, desembarque e entrega no destino final. Por ano, a cabotagem elimina cerca de 300 mil viagens de longa distância das estradas brasileiras, mantendo, no entanto, curtas viagens nas pontas – entre o embarcador e o porto, na origem, e entre o porto e o cliente final, no destino.

Mesmo quem hoje utiliza o rodoviário já estuda a possibilidade de mesclar outros modais, uma vez que as condições de várias estradas são precárias no que diz respeito à qualidade da pista, sinalização e segurança. O país perde competitividade por conta da má conservação das rodovias, que às vezes atrasa na entrega das matérias-primas, acarretando custos extras que são repassados para o preço final do produto.  Também são acrescidos os valores de manutenção dos caminhões, combustível e pedágio.

Neste cenário, precisamos romper com as barreiras “mentais” e “culturais”, que levam a pensar que o serviço rodoviário é mais fácil e prático do que os demais. É importante desmistificar a imagem de que a cabotagem é mais cara e inacessível para empresas de pequeno e médio porte – percepção que, às vezes, pode ser reforçada pelos problemas logísticos portuários atuais.

A cultura “rodoviarista” não é o único entrave da cabotagem. Mesmo apontada como o modal menos poluente e com menor índice de avarias, o serviço padece com a infraestrutura inadequada nos portos, alto custo do bunker (combustível) e grande burocracia do setor, que faz com que a carga de cabotagem seja tratada da mesma forma que uma mercadoria de comércio exterior.

Apesar desses empecilhos, a navegação de cabotagem tem enormes oportunidades de crescimento no Brasil. O serviço desempenha um papel crucial no desenvolvimento da multimodalidade (marítimo, ferroviário e rodoviário) e, por sua vez, é imperativo para a competitividade do País.

O segredo de uma logística eficiente é a utilização apropriada de todos os modais, cada um desempenhando o seu importante papel na cadeia. O que não devemos é incorrer novamente no erro de priorizar apenas um deles.

[Foto: Divulgação Hamburg Süd]