Quando a cultura vira um obstáculo


Em Viena, na Áustria, o consultor organizacional Harald Beck tem uma empresa chamada “Agência para a Concepção da Verdade”, em tradução livre. Com formação em gestão e psicologia, Beck realiza workshops em seu país com empresas interessadas em promover  desenvolvimento organizacional. O modelo, segundo ele, é baseado na construção de dinâmicas personalizadas para os problemas de cada cliente, considerando necessidades específicas. A intenção é começar, em breve, a realizar os treinamentos também no Brasil.



Pesquisador e apaixonado por capoeira, o austríaco escolheu o País para realizar a sua pesquisa de doutorado, pela “ARGE für Bildungsmanagement”, instituição de Viena especializada em gestão educacional. O estudo sobre resolução de conflitos e desenvolvimento cultural está prestes a ser concluído e contou com o depoimento de organizações alemãs que atuam em cidades brasileiras.



Os resultados da pesquisa serão incorporados ao treinamento, cujo objetivo é  fornecer ferramentas aos clientes com problemas de relacionamento intercultural, para que eles possam reconhecer e utilizar de forma construtiva as dierenças. “Os participantes aprendem que o comportamento diferente não é nem ruim, nem bom. Ocorre que a motivação do comportamento humano está enraizada em seus próprios valores. Ao reconhecer, conhecer e aceitar as diferenças, é possível usar as virtudes de cada um para que uma nova cultura possa ser experimentada”, afirma.



Confira a entrevista de Harald Beck, concedida ao BRASIL ALEMANHA NEWS.

BAN – Qual é a sua relação com o Brasil? Por que decidiu incluir o País em seu estudo?
 
Beck – Devido ao relacionamento entre as casas de Bragança e Habsburgo (o imperador Dom Pedro I era casado com Leopoldina, bisneta de Maria Theresa, imperatriz da Áustria), o Brasil sempre teve um relacionamento especial com o meu país, a Áustria. O meu interesse pessoal veio por conta da capoeira, esporte que pratico há muitos anos em Viena.

Tenho percebido nas relações privadas grandes diferenças na comunicação e na forma de pensar entre pessoas de língua alemã e os brasileiros. Como consultor organizacional, eu quis descobrir exatamente a origem dessas diferenças. Também notei que problemas semelhantes ocorrem nos relacionamentos profissionais.

Com apoio da Câmara de Comércio e Indústria em Viena, surgiu a oportunidade de realizar uma pesquisa no Brasil, a partir de entrevistas com empresas de origem alemã, para analisar os conflitos culturais existentes.



 BAN – Qual o objetivo principal da pesquisa?



Beck – O estudo aborda dois elementos: um deles são os obstáculos encontrados pelas empresas de língua alemã no Brasil. Tanto internamente (gestão alemã – funcionários brasileiros), bem como nas relações externas (empresa alemã – clientes ou fornecedores brasileiros). O outro ponto é descobrir soluções para que as empresas alemãs possam superar esses obstáculos.



BAN – Em que fase do estudo vocês se encontra?



Beck – No momento, estou no útlimo terço do estudo, que é a avaliação das entrevistas. A primeira parte é composta por uma consideração geral sobre o desenvolvimento das empresas e os métodos de solução de conflito.  Para a segunda parte, foram realizadas entrevistas no Brasil.

No total, são sete entrevistas com empresas alemãs em São Paulo e Belo Horizonte e mais duas entrevistas na Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha e no Consulado da Áustria, em São Paulo.



BAN – Qual o método de trabalho utilizado?



Beck – Trabalho como consultor de gestão com métodos sistêmicos de solução de conflitos relacionados à cultura. Segundo as teorias sistêmicas (por exemplo, de Niklas Luhmann), a comunicação é caracterizada pelo seguinte mecanismo: a informação enviada pelo emissor não é, necessariamente, a mesma que chega ao receptor. Esses interpretam as informações de acordo com seus próprios valores. Como cada pessoa desenvolve valores e imagens diferentes ao longo da vida, a comunicação está sujeta a problemas de entendimento.

De acordo com a teoria, como consultor, não consigo passar ao meu cliente nenhuma informação útil, pois ele até pode até ouvi-la, mas entenderá e interpretará de acordo com seus próprios valores. Então, eu ajudo os clientes a considerarem o problema sob várias perspectivas e, depois, a desenvolver abordagens possíveis de solução. Esse processo representa para os dois lados um desafio especial. O seu resultado pode ser adotado pelo cliente de maneira duradoura, porque ele pode vivenciá-lo na medida em que representa a personificação de seus próprios valores.



 BAN – É realmente possível ensinar aos empresários de diferentes países como interagir em situações de conflito com os parceiros e funcionários de outras culturas?



Beck – Sim, o processo de aprendizagem sobre a "outra cultura" inclui três níveis. A primeira etapa, que são os símbolos de uma cultura diferente, como os rituais de saudação, por exemplo, qualquer homem ou mulher de negócios aprende em um dia de seminário. Em seguida, e mais demorado, vem a compreensão dos padrões e normas. A internalização do terceiro nível, que é basicamente a natureza e os pressupostos de uma cultura, representa a base de um relacionamento de sucesso. Ao final do processo, é possível entender que as diferentes estruturas de trabalho em empresas brasileiras e alemães não são boas ou ruins. É possível reconhecer as características especiais de ambos os sistemas e usá-las de forma lucrativa.



BAN – Segundo os resultados obtidos nso estudos, qual é o principal problema enfrentado no mundo dos negócios entre alemães e brasileiros, e vice-versa?



Beck – De uma forma geral, a dificuldade é descobrir onde estão os mal-entendidos e encontrar um caminho para o desenvolvimento conjunto. Em termos concretos, os problemas geralmente estão relacionados a temas com diferentes interpretações nas culturas envolvidas, como pontualidade, planejamento, precisão, objetividade, o "dizer não", falar diretamente sobre erros e falhas, contato corporal e higiene.

 

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